A RIVALIDADE DE MARIA BONITA E DADÁ NO CANGAÇO

O dia no sertão nordestino raiava, e Sérgia Ribeiro da Silva, a Dadá, de 13 anos, vivia sua infância como podia. Morava na casa de dona Vitalina, sua mãe, e tinha certa convivência com indígenas — até o dia em que Corisco resolveu fazer uma visita.
Gigantesco perto da menina indefesa, o cangaceiro Cristino Gomes da Silva Cleto a violentou, tirando sua virgindade da pior forma. Ela sangrou por dias e foi raptada pelo homem, obrigada a viver a vida do cangaço.
Como se não bastasse, pouco tempo depois, uma novata entrou no bando de cabeça em pé, cheia de si e o pior: por vontade própria. Maria de Déa veio ao lado de Lampião, o Rei do Cangaço, quando ainda tinha 15 anos e chacoalhou a história. Tornou-se a primeira mulher cangaceira do Brasil.
Com a chegada da forasteira, outras mulheres começaram a fazer parte do grupo. Mas nunca porque queriam, como era o caso de Dadá. O fato de ter sido obrigada a ter relações com Corisco, no entanto, não influenciou seus sentimentos por ele.


Maria Bonita e Lampião (esquerda) e Dadá e Corisco (direita) / Crédito: Wikimedia Commons


Em pouco tempo, Dadá se apaixonou por seu agressor, disse que o amava e casou-se com ele. Dessa relação nasceu Josafá, loiro como o pai, primeiro filho da jovem. Como a tradição do cangaço mandava, todavia, o bebê foi arrancado dos braços da mãe ainda pequeno.
Como diria anos depois, a cangaceira sentiu a maior dor do mundo e, meses mais tarde, descobriu que Josafá não sobrevivera à vida no sertão. Dadá perdeu seu filho para um fazendeiro, assim como Maria de Déa.
Todos os infortúnios aumentaram seu desgosto por Maria Bonita, uma mulher expansiva, de risada alta. Para Dadá, a esposa do Rei do Cangaço, sua eterna rival, não passava de “abusada, ranzinza, orgulhosa, metida a besta, barulhenta e arrumadinha feito uma boneca”, como ela mesma veio a descrever.
A verdade era que Dadá detestara Maria Bonita desde o primeiro dia que botou os olhos nela. Muito menos gostava do fato de que ela mandava e desmandava no cangaço. Por mais que fosse a rainha do subgrupo de cangaceiros de seu marido, Corisco, Dadá não tinha a mesma autoridade que Maria e, por vezes, era desrespeitada pelos cangaceiros.


Maria Bonita, com seu chapéu e seus anéis / Crédito: Wikimedia Commons


Certa vez, a cangaceira referiu-se ao comportamento de Maria de Déa como “Bacana que só ela, só quer ser mais”. Era fato, ela não ia com a cara de Maria Bonita, sempre munida com as melhores joias e os melhores perfumes. O sentimento, pelo menos, era recíproco.
O desgosto entre as mulheres só fez piorar quando, em determinado momento, Dadá caiu nas graças de Lampião. Ela sabia bordar muito bem e era uma das melhores costureiras do bando. Sabendo disso, o capitão pediu que ela desenvolvesse a mais linda das estampas.
Maria de Déa, que também sabia costurar, mas não tão bem quanto a oponente, ficou louca de ciúmes. Estava determinada alí, preto no branco, a eterna rivalidade entre as duas.
Um dia, durante uma das travessais do grupo pelo sertão, Maria de Déa cavalgava sobre um burro de personalidade forte, chamado Velocípede. Ele estava tendo um dia daqueles e demonstrava certa resistência nas mãos da Rainha do Cangaço.


Dadá com suas roupas de cangaceira / Crédito: Reprodução/Pinterest


Ao seu lado, com graça, vinha Dadá, sobre um cavalo magro, mas tranquilo. Maria não teve dúvidas: exigiu que a rival descesse da montaria e trocasse com ela. Contrariada, Dadá obedeceu, subiu no burro, mas decidiu que iria se vingar.
Determinou, no mesmo segundo, que selaria sua relação com Lampião. De fato, a traição dos cangaceiros nunca foi confirmada, mas é conhecido que, naquela mesma noite, o Rei do Cangaço chegou à casa de Corisco com uma melancia em mãos para presentear o casal.
Dadá riu e disse que não tinha o que dar em troca do presente tão generoso e os dois ficaram juntos na cabana, numa “risadaria dos pecados”. Desconfiada, Maria de Déa nunca mais viu Dadá do mesmo jeito e a rivalidade das duas apenas aumentou, cada dia mais.
Tudo acabou quando Maria de Déa foi morta, junto de seu marido, em uma emboscada policial, em 1938. Dadá e Corisco não estavam com o bando e escaparam. A mulher morreu apenas em 1994, já com 78 anos, na Bahia, onde passou grande parte da vida.

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