A Bom Conselho de 2022 vive características da mesma de 1935 quando Carlos Artur Vilela chegou



por Arthur Carlos Villela

O transatlântico Vera Cruz deslizava mansamente no mar azul e calmo, levando-nos em direção ao nordeste, a um passado que deixáramos há trinta e quatro anos.

Confortavelmente instalados em nosso camarote eu e minha mulher não poderiamos deixar de recordar a nossa vinda para o Rio em 1923, em condições tão adversas — a bordo do Bahia, navio que o Brasil tomara aos alemães na l.a grande guerra, abandonamos nossa terra para tentarmos a sorte na grande capital. Trazíamos tristezas, amarguras e sete filhos pequenos, mas também uma boa dose de esperança num futuro melhor. 

Mal sabíamos das desventuras que passaríamos em terra estranha, que terrível doença nos levaria quatro daquelas crianças, e eu também quase morri não fosse o desvêlo do meu querido Tio Marcos, que auxiliou-nos e ergueu-nos daquela desgraça. Mas isso tudo estava distante; trabalhando e lutando criamos a nossa família, modestamente mas ccm honradez, e fomos, abençoados com vinte e um netos e por enquanto sete bisnetos,

E agora, depois de tão longa ausência — em 1935 fui rapidamente a Bom Conselho ver pela última vez minha adorada avó Mãe Chiquinha — íamos passar uma temporada em nossa terra, para revermos os lugares da nossa infância e mocidade.

Após três dias de excelente viagem, desembarcamos na capital pernambucana. De lá para Bom Conselho levaríamos mais seis horas de ônibus. Não é possível descrever a emoção e ansiedade que me tomavam, enquanto o ônibus devorava os quilômetros aproximando-se da nossa terra. 

Ao chegar os sentimentos mais diversos me assaltavam: alegria e ao mesmo tempo tristeza; surprêsa e decepção. Sim, ai estava a minha cidade — o colégio de Nossa Senhora do Bem Conselho, o Quadro, a Matriz. Havia crescido, com o número de casas muito aumentado. Mas não tinha aquele aspecto brilhante do meu tempo. Estaria a cidade diferente ou seria eu quem havia mudado?

Depois de alguns dias de permanência, vi com pesar a pobreza, a sociedade decaída, o comércio enfraquecido. E pus-me a pensar: que dirão meus filhos e meus netos se um dia chegarem até aqui? Eu sempre lhes conto tantas coisas passadas em minha terra e êles verão esta cidade tão sem atrativos! Não, o lugar da minha mocidade não era esse. 

Era alegre, sacudido por campanhas políticas, onde se realizavam grandes feiras, procissões, cavalhadas, reisados, bailes tradicionais promovidos pelos ricos fazendeiros e onde havia até sociedades Artísticas e Literárias. Famílias tradicionais, entre as quais sobressaía-se a família Villela, que fundou a cidade.

Comecei a pensar: ora, acho que eu sou o único da família que conhece as origens, da história dêste lugar. Quando eu desaparecer tudo se perderá, e nossos descendentes não conhecerão o seu passado!

Com esses pensamentos passei três meses em minha terra, recordando, vivendo e sofrendo o passado que ficou tão distante! Revia casa do meu avô, onde encontrei na porta a forma do ferro de marcar o gado, os armadores que meu pai colocou para a redi- nha de minha primeira filha... Percorri as fazendas de meus avós, de meus pais, de meu sogro... tudo tão diferente!

Alguns anos se passaram desde que fizemos essa viagem e, agora, residindo em Nova Friburgo, aposentado do serviço público, o que não posso deixar de registrar — devo ao meu tio Costa Neto, ponho em prática uma idéia há muito acalentada: a de deixar para meus parentes a história da sua família.

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