O racismo na terra de Papacaça vem de longe... Não mudou muita coisa não!

Acontecimentos de 125 anos passados acontecem em Bom Conselho de uma maneira um pouco diferente, porém com o mesmo contexto político e social...

Paróquia de Santa Isabel da Hungria
Foto: Claudio André O Poeta

Em mais uma pesquisa, encontramos uns relatos históricos interessantes. Na narrativa a seguir, retirada do livro RAÍZES de autoria de Artur Carlos Vilela, mostra-se que o racismo era escancarado pelas autoridades da época, onde as pessoas subalternas eram tratadas não pelo nome, mas pela cor da pele, como por exemplo, seu Branco, seu Negro, etc.

O poderio dos fazendeiros e senhores de engenho, predominava por todos os lados, praticamente, naquela época não existia liberdade de se expressar, a opressão era da "gota serena para dentro". 

Um outro fator preponderante a destacar nesta minha pesquisa, é que descobrimos que as terras de Palmeira, Anadia, Arapiraca e Cacimbinhas, até Garanhuns, faziam parte da mesma sesmaria pertencente a família Vilela, que foi vendida por lotes, um desses lotes, foi comprado pelo alferes João da Rocha Pires, que está enterrado dentro da capela de Nossa Senhora das Brotas, no povoado Santa Cruz, zona rural de Estrela de Alagoas. 

Leia o relato a seguir:


PAI PINTO E A COBRANÇA DAS TERRAS

Como já disse, as melhores terras da sesmaria foram abandonadas por Manuel da Cruz Villela e seus filhos. Em 1897, Pai  Pinto e Pai Matu, reuniram-se com os outros herdeiros e mandaram tirar uma cópia da escritura de compra lavrada na Bahia. 

Eram então os seguintes herdeiros: Antonio Anselmo da Cruz Villela (Pai Velho), Juvêncio da Costa Villela, Marcos Evangelista da Costa Villela (Pai Matu), Nemésio da Costa Villela, Cândido da Costa Villela (Pai Pinto), e mais uma herdeira adotiva — Luminata — criada por Aleixo Villela que era professor e educou-a com todo o desvêlo. 

A moça foi uma verdadeira advogada na cobrança da sesmaria. Depois de estarem de posse da cópia foram para a Palmeira dos Índios, porque a maior parte estava no estado_ de Alagoas e onde tinham que enfrentar as armas dos proprietários, há mais de um século estabelecidos. Pertenciam à família Duarte, os primeiros a expulsar os índios daquela região. 

Foram aos herdeiros dispostos a tudo e falar diretamente com o chefe político que era o capitão Francisco Duarte, conhecido por Chico Duarte. Lá chegando mostraram as escrituras; O capitão concordou e lhes disse que seria o primeiro a querer legalizar as suas terras e que os apoiava dentro e fora do município.

Ficaram os herdeiros muito satisfeitos por estarem apoiados por tão poderoso senhor: Chico Duarte, contava Pai Pinto, era bem moreno, carrancudo, olhos injetados de sangue e tinha uma voz forte e autoritária, imprimia o maior respeito em todo aquele sertão.

Alugaram uma casa na mesma rua em que morava o chefe político e começaram a cobrar as terras por todo o município e nada lhes acontecia porque uma ordem do Capitão Chico Duarte era o bastante para todos baixarem as cabeças. Mas com tudo isso não deixavam de ser chamados ladrões de terras. Viajavam cinco: Cândido, Marcos, Juvêncio, Nemésio e Luminata, porque Antônio Anselmo, idoso, não podia acompanhá-los, ficando na cidade. Receberam muitas ameaças de morte e foram uma vez tocaiados, mas receberam aviso e desviaram-se do caminho. 
Era uma sexta-feira e, afastando-se do caminho, chegaram mais tarde do que o costume. Chico Duarte já estava impaciente na calçada à espera e correu a indagar: 
— O que houve?
— Uma tocaia!
— Uma tocaia!?

Sim senhor: um tal Daniel, na passagem do Vigário. Por isso 
tivemos de cortar caminho.

Amanhã é sábado e ele vem á feira. Eu converso com ele.
No dia seguinte, sábado, depois do café, Pai Pinto como de costume foi à casa do capitão Chico. Encontrou-o no escritório e começaram a conversar. No largo da praça, armavam-se as barracas da feira; a casa ficava de esquina, com janelas para a rua principal, que era a entrada da cidade. 

Nisso, Pai Pinto vê passar um cavaleiro, que ele reconheceu ser um negro com vestimentas de couro. Em poucos minutos compreendeu que não era outro senão Daniel, que foi entrando e cumprimentando:
— Bom dia, meu branco!
— Bom dia Daniel, respondeu Chico Duarte, conheces este moço?
— Para o servir, meu branco.
— Pois este é o moço para quem tu botaste a tocaia ontem!

Chico Duarte estava carrancudo, parecia mais uma fera do que um homem. O negro atirou o chapéu para o lado e caiu de joelhos aos pés do capitão:

— Meu branco, meu senhor, não fui eu, meu patrão, meu senhor!
— Negro, se tu me matasses um desses homens eu acabava 
com tu e toda a tua raça! Ladrão!

Chico Duarte tremia de raiva e Pai Pinto ficou quase em pior situação que o negro, pois era ainda moço e nunca tinha visto tanta autoridade em um homem. O negro abraçava-se às pernas 
do senhor pedindo perdão.

— Teu castigo, negro, é receberes êsses homens, segunda-feira.
O negro retirou-se e o capitão Chico sentou-se, voltando ao natural e dizendo a Pai Pinto: — Segunda-feira os senhores vão se arranchar em casa de Daniel, para comerem uns perus que ele cria.
Pai Pinto retrucou: — Capitão, como vamos arranchar na casa 
de um inimigo?

— Vão sim, este negro é bom, fui eu quem o criou.

Como havia sido combinado, na segunda-feira seguiu a caravana para a casa de Daniel. Chico Duarte, na calçada recomendava para que não deixassem um só pinto no terreiro de Daniel, repetindo que aquele negro era bom.

Por volta das dez horas avistaram a casa que ficava numa bela fazenda de criar. Daniel ia saindo, e ao vê-los, jogou o chapéu de couro para um canto, gritando: 

— Muleque, pega o cavalo dos branco e leva pra sombra. Meus branco, vamos entrar! E o negro se desmanchava em agrados. Em pouco estavam todos confortavelmente acomodados em redes, na varanda, tomando aguardente de cana caiana enquanto o cheiro do peru assado lhes aumentava o apetite.

E assim passaram toda a semana almoçando e jantando e dormindo em casa do bom negro Daniel, como chamava seu senhor e patrão. Além da hospedagem, Daniel ainda os acompanhava, fazendo o maior empenho em convencer os proprietários daqueles que eram os verdadeiros donos, chegando mesmo a decorar a escritura.

Sexta-feira, regressaram à Palmeira, encontrando Chico Duarte 
passeando na calçada e logo perguntando:

— Então, como foram de cobrança com Daniel?
— Muito bem, capitão; Daniel é um grande homem, educado, 
hospitaleiro e tratou-nos maravilhosamente.
— Então! Eu não garanti a vocês que aquele negro é bom? Eu 
o criei e o ajudei a fazer fortuna. E ainda deixaram alguma galinha?
— Uns pintinhos para semente... respondeu Pai Pinto gracejando.
Estou satisfeito! o negro pagou-me.

Assim continuou a luta até arrecadarem a importância de dezessete contos e quinhentos. Deixando muita terra por cobrar, voltaram aos seus afazeres, ficando em completo abandono quase todo o município de Campos de Anadias, Tanque d’Arca e outra parte, que partindo de Alagoas na direção do município de Garanhuns, deve ter uns cento e vinte a cento e trinta quilômetros.

Luminata não conformou-se em terminar a questão no governo do Gal. Gabino Besouro, em Alagoas, muniu-se dos documentos e convidou os outros, mas só Marcos (Pai Matu) aderiu e juntos foram falar ao governador. Mas Luminata estava só; os outros herdeiros desinteressaram-se e o único que a seguiu era um homem sem iniciativa. 

O governador quis ajudá-la, mas encontrou forte resistência por parte dos deputados e chefes políticos que eram senhores de engenhos e donos das terras requeridas. E assim, Luminata, andando de cá para lá, acabou sendo tapeada com toda a sua advocacia.

Quando eu era menino ouvi por mais de uma vez a história de Luminata ter voltado à questão com Marcos. É a seguinte: os deputados, donos de engenho e outros interessados, vendo que Gabino Besouro estava de boa vontade com os herdeiros, chamaram 
Luminata e Marcos para um acordo de desistência mediante a importância de cinco contos de réis, e que eles assinaram o acordo. Acabou Luminata brigada com Marcos e chamando-o de ladrão. 

Lembro-me que numa noite de sábado Luminata foi comentar a questão com Pai Pinto, que ficou enfurecido e disse que lhe dava 
uma surra se ela continuasse a falar no assunto.

Coisas de família...

por Artur Carlos Vilela  
Primeiro explorador do Buraco do Bulandim

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